o desconexo

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23.3.13

persistências da portugalidade

Adolf Hoffmeister, colagem

Depois de uma paragem na página quarenta, e um regresso à casa de partida, estou a ler O Verão de 2012 com um entusiasmo que sinto estar carregado de carinho por uma das pessoas da minha vida. Hoje não me demoro aqui em considerações rasgadas de elogios e lágrimas por duas razões: primeira, não estou preparado para isso, segunda, são partilhas difíceis de (d)escrever talvez por estarem tão sedimentadas na juventude, entre conversas fugidias e serões mais demorados com o T., a R., a B. e os livros. Dizia eu que li com espanto as considerações compiladas sobre os portugueses como bichos de casa, copio e colo:
"Heinrich Friedrich Link, alemão, afirmou mais ou menos o mesmo:"Não dão passeios nem se sai para passear (...) mesmo o belo rio está desaproveitado." (...) Joseph-Barthélemy-François Carrère, francês, foi mais brusco: "Os portugueses não passeiam e as portuguesas ainda menos."
Coisas escritas nos séculos XVIII e XIX, que me lembraram o que senti quando cheguei há cinco anos à Suíça. Encontrei pessoas nas ruas. Tantas que me faziam lembrar a Visconde da Luz e a rua Ferreira Borges há vinte anos atrás, tinha eu dez; isto antes dos centros comerciais terem cilindrado a vida ao ar livre e anulado as diferenças entre a manhã, a tarde, e a noite; entre o fresco, o frio, o ameno e o quente.
Aqui as pessoas (ainda) saem à rua. No princípio, pensei que a culpa fosse dos horários, rígidos e criteriosos, das oito e meia às dezanove, sábados das nove às dezoito e tudo fechado nos dias do Senhor e outros feriados menos religiosos. Mas enganei-me porque, mesmo durante esses horários, há gente na rua, há vida à beira do lago, há passeios e caminhadas na montanha. Uma vida que, para mim, Coimbra já tinha perdido e que, no caso da relação com a água, nunca soube criar. Pensei ingenuamente durante este tempo que a culpa fosse, de facto, dos gigantes de bétão, gesso-cartonado e neons, mas no século XVIII ainda não existiam, e como nos fala o Verão, já o português era um bicho que não gostava de sair à rua.


Nota 'Se' número 1:
Se eu fosse sociólogo podia investir aqui nas questões da "inscrição" de José Gil em relação à expressão "país de silêncio" da página setenta de O Verão de 2012. Ainda que não o faça, os meus botões acham que há qualquer coisa triste no adn da portugalidade.)

Nota 'Se' número 2:
Se eu fosse curator, encomendava um centro comercial ao ar livre. Propor um, a céu aberto, sem telhados, era fácil. Fácil demais. Mas o que se queria mesmo, era um centro comercial carregado de tecnologia, maquinas automáticas e condutas, circuitos e óleo - uma "caverna" - onde o dia e a noite, o frio e o quente, fossem obras do Olafur Eliasson, instaladas nos quatros cantos do buraco. As lojas expunham as colecções e as tendências todas em simultâneo. Todos tinham de entrar com t-shirt e casaco polar, chapéu de chuva e óculos de sol.

3 comentários:

alma disse...

Tiago,

Só ando na rua :) e por onde ando encontro muita gente :)))

Se vieres a Lisboa experimenta andar no chiado a qualquer hora do dia ou da Noite:)

Os portugueses que conheço são alegres :)

O maior problema de um português na rua é não ter a noção de espaço que ocupa :)))

O Gil, não é exemplo para ninguém :)))

alma disse...

Fico contente que tenhas voltado ao blogue:)

tiago borges disse...

Alma,
só estou com Coimbra assim de vez em quando. São encontros a fugir. Houve alguns em que ela me pareceu bonita. Ultimamente já não foi bem assim. E voltei chateado porque ela estava feia, deserta e triste.
Não posso culpar apenas as vitrines abandonadas porque a 'vida' devia por lá também andar... Mas não andava.

...Ainda não sei qual é o maior problema do português, seja ele um defeito ou uma qualidade...