o desconexo

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29.12.13

entre conter e ser

Em várias alturas cultivei um fascínio esquisito por trompe-l'oeil ao mesmo tempo que descobria o aborrecimento nos desenhos de M. Escher. Era uma espécie de alegre naiveté ao reconhecer o esforço que ali estava em criar a ilusão, uma qualquer-coisa que não o é. Essa minha admiração era intermitente. Num vai e vem, também as imagens ora se escondiam nos bastidores, ora voltavam ao palco, muitas vezes em partidas inesperadas engendradas por uma mistura de memória e raciocínio. (É, de novo, aquela história das imagens que nos perseguem que um dia escrevi aqui.)
Os trompe-l'oeil são um confronto e um desconforto entre o que sabemos e o que vemos, um golpe de magia debutante se não lhe faltasse a essencial dinâmica. Como num jogo, conhecemos o que vemos mas não é o que sabemos. Os trompe-l'oeil são uma espécie de elogio que a superfície plana faz à escultura. São os ímpetos da puberdade do 2D em versão Terra do Nunca. E às vezes até são boas partidas, como a que Francesco Borromini (1599-1667) se divertiu a fazer em três dimensões, a Galeria Spada. Um trabalho menor para os entendidos, mas verdadeiro isco para turistas.
Galleria Spada, 1652-3
A ilusão em que F.Borromini transforma 8,60 metros em quase 36.

A este propósito há um subtil quase-trompe-l'oeil num desenho de um dos projetos dos Office. (Para o leitor mais distraído, os Office são um atelier ao qual interessa estar atento. Ainda que não se trate neste texto a qualidade do que constroem, há que reconhecer a pontada de ar fresco e 'revival' quanto baste no modo como Kersten Geers e David Severen representam a arquitectura que pensam.)
No projeto para um edifício de apartamentos em Genebra, os Office KGDVS desenharam uma planta, em forma de losango, que parece uma axonometria e uma perspectiva que tenta rasteirar o olho treinado. Como é apanágio no que produzem, manipulam os mecanismos da perspectiva, aplanam o efeito de profundidade do solo, ao mesmo tempo que dramatizam a cobertura e o pátio através do contraste monocromático com a superfície que representa o céu. Na dualidade figura-fundo, o céu é representado em tons de branco, os mesmo tons que dominam o construído, aí a rasteira.
Office KGDVS, Complexo de apartamentos em Genebra, 2010

Revivi uma situação familiar ao cruzar um desenho de Bruno Taut (1880-1938) no livro Fruhlicht 1920-1922. Num projeto para um mercado em Magdeburg, o desenho de Taut espanta e intriga. É um convite ao equívoco porque a anormal normalidade proporciona uma dupla leitura de elevação/perspectiva. Com o auxílio de um outro desenho, descobre-se que a culpa é afinal de uma sequência de volumes de duas águas sobrepostos e de alturas diferentes.
Talvez seja prematuro montar uma 'teoria' a partir de intuições, mas se tivesse que o fazer, diria que há uma diferença entre "conter" a ilusão e "ser" a ilusão. Sendo certo que é a segunda que me interessa.

Bruno Taut, Viehmarkthalle, Magdeburg (n.d.)




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