o presbitério e outras danças palacianas

'Transports exceptionnels: duo pour un danceur et une pelleteuse'

Dominique Boivin e Compagnie Beau Geste

Um dia quis escrever sobre uma peça de dança. Mais precisamente queria ter escrito meia dúzia de notas sobre 'Le Presbytére' de Maurice Béjart que fui assistir num teatro aqui perto. Queria perceber melhor porque é que não gostei daquele trabalho.
A um determinado momento, enquanto assistia ao espectáculo, dei por mim a debater-me sobre a dificuldade de escrever sobre dança. Não sobre a dança per se, mas a dificuldade de escrever sobre a problemática da simultaneidade. Compreender o que um rapaz de estatura média fazia dentro de um cubo branco e, ao mesmo tempo, apreciar dezenas de outros bailarinos que entravam no outro canto da cena para esgotar o mesmo movimento. Deixei-me de tal forma envolver no que ali não se passava que acabei por esquecer a banda sonora que acompanha 'Le Presbytére', aliás, de um grupo que nunca aprendi a gostar.

Hoje volto a pensar neste assunto porque, sem mais nem menos, numa praça difícil e de recordes duvidosos, em plena chuvosa manhã de sábado, dançou um homem com uma retro-escavadora.

Naquela valsa problemática e diferente, não esteve em jogo o simultâneo, o complexo, o multiforme, nada disso... Esteve ali um homem, igual a tantos outros homens, e uma retro-escavadora, também de marca conhecida, amarela e com vidros espelhados; os dois ao som de uma respeitosa cantora lírica. Entre a estranheza, a admiração, e uma insólita sensibilidade, assisti a um dos mais singulares duetos desde que tenho memória.