o desconexo

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15.1.12

o joelho

Desenho de Alice Geirinhas para a revista Joelho #02, Abril 2011

'L'espace appelle l'action, et avant l'action l'imagination travaille' G.Bachelard (1957)

Não quero cometer injustiças ao dizer que me detenho mais tempo a olhar para a capa da Joelho #2 do que a ler o seu interior. Mas cada vez que pego na revista do dArq é isso que me acontece.
O segundo número da nova série do que antigamente era conhecido por "Em cima do joelho" dedica-se ao tema das intersecções entre arquitectura (what else?) e antropologia, e é uma versão 'director's cut', revisitada e ampliada dos Colóquios de Outono realizados em 2009 na UC. A capa - o mote para estas palavras - é singularmente ilustrada por um desenho da artista Alice Geirinhas.

São duas figuras em posição sentada e de perfil, que se enfrentam, de braços estendidos ou apoiados numa mesa que não existe. De olhar vazio, é ali que carregam a expressão do rosto, com rugas em torno dos olhos, como se o confronto de que se fala se passasse a um nível subconsciente.
No eixo entre as duas figuras de traço estilizado, grosso e quase primitivo, está uma casa, no seu sentido mais vasto, de traço geral, um pouco rossiano e afinidades que nos poderiam levam a Hejduk. Foi 'humanizada', de olhos fechados, nariz e tudo, semblante carregado pelo peso das janelas traçadas na face, e a testa solenemente enrugada pelas lages aparentes. O desenho completa a casa com uma cave em dois níveis de contornos menos regulares e que me lembra o primeiro capítulo de Bachelard, 'De la cave au grenier' em 'La poétique de l'espace'.
Entre as duas figuras femininas, a casa, de dois braços - um sobre o plano comum e outro levantado como quem pede a palavra - assume-se "a topografia do nosso ser mais íntimo" (palavras de Bachelard) onde mora o inconsciente das duas personagens.
Nas sombras, adivinha-se que a fonte de luz que dá volume ao corpo da esquerda está algures à direita na composição, e na outra figura tudo é invertido, a luz que revela o tronco cilíndrico virá 'debaixo'.

O repetido exercício de observação do trabalho das sombras constrói a particularidade indigesta do desenho mas também a mais estimulante. A personagem da esquerda, embora recebendo a luz do cimo, tem na perna esquerda uma excepção com uma fonte de luz inferior. A outra personagem repete a irregularidade, trabalhada na sua inversão, com uma quarta fonte a iluminar de forma estranha o braço direito em relação ao resto do corpo.

Com uma montagem particular das sombras que concedem volumetria às duas 'disciplinas', o desenho de Alice Geirinhas tem assim qualquer coisa de perturbador no trabalho da sombra que parece desafiar a percepção comum e que confere à composição e ao conteúdo da revista, por acidente ou inspiração, um desequilíbrio que excita o olho e sublinha as intersecções compiladas em cima deste Joelho.

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