
Candida Hofer, Collegium helveticum ETH Zurique (2005)
Há pouco tempo li "A Caverna" e agora delicio-me com "A viagem do elefante", pelo meio fiz uma pit stop para "Aprender a rezar na era da técnica" (d'outro campeonato, mas muito bom!).
Agora pareço gostar do modo como Saramago encadeia as palavras, cada uma daquelas virgulas, daquelas frases quase intermináveis, da ironia fina e das imagens escritas.
Ontem Saramago escreveu sobre Siza, sobre o valor da parede no trabalho de Siza. Saramago começa por (d)escrever a parede, o "ponto sólido" para o "olho humano". Depois surge o literata que se detém no "espaço de contemplação" que são as paredes sizianas, e conclui debruçando-se sobre o milagre que, para si, Siza opera ao reunir - Saramago vai mais longe, escreve fundir - dois opostos: opacidade e transparência.
O texto sobre Siza infelizmente não é tão bom como outro que Saramago escreveu sobre a exposição "Em Portugal" de Candida Hofer. Esse não era um texto sobre a arquitectura em si, mas sobre a fotografia de arquitectura, mas que no caso de Hofer não é assim tão diferente.
No texto sobre Hofer, Saramago tomou o vazio como elemento de partida e de trabalho - "O homem que levantou quatro paredes e sobre elas colocou um tecto, criou o vazio" - e a "partir" desta frase deixou-se fluir numa escrita que parece fala.
Encontrei entre os dois textos uma invariante: a proximidade entre o olho e a coisa. Em ambos os exercícios estamos perante um zoom constante que num indeterminado momento trespassa o concreto do visível para se diluir no não-visível, no para-além-de.
A porosidade, característica das paredes sizianas que se deixam "perfurar" com o olhar, também está presente no texto sobre Hofer, mas à escala da cidade-mundo: "O mundo, poroso pela sua estrutura molecular, é-o também na sequência interminável de outra espécie de células que são os edifícios" - escreve Saramago.
Melhor aparece quando Saramago se debruça sobre a proximidade entre o observador e a coisa observada, sinal da proximidade entre escritor e coisa (d)escrita.
Se, sobre Siza é apenas o olhar que "perfura" a parede até ao ponto de nela entrar e alcançar uma suposta transparência; sobre Hofer, Saramago, ao (re)tratar o vazio, já não se cinge ao olhar, apresenta o próprio sujeito que por descuido e de tanto se aproximar, ameaça anular esse valor - como ele escreve:
"Um vazio que o observador terá o cuidado de não se aproximar demasiado, sob pena de fazê-lo desaparecer (já sabemos que o vazio e presença humana são inconciliáveis...)."