Rosa Barba, "The long road" (2010)
O rewind de Pedro Costa originou um reboliço de comentários que terminou com contornos de telenovela deixando esquecido aquilo que se poderia ter discutido: a afirmação sobre a pretensa inexistência de uma crítica (de arquitectura).(1)
De forma sumária Pedro Costa constata que a eventual ausência de crítica poderá dever-se à falta de disponibilidade dos autores para "abrirem" a sua caixa de pandora aos analistas. Depois desenvolve um raciocínio bipartido, por um lado, a falta de disponibilidade dos autores conduz a crítica à inutilidade, por outro, os autores vêem a crítica como irrelevante ou maldizente.
Se o texto apresenta um começo contornado pela dúvida, Pedro Costa termina em tom de encorajamento a favor da resiliência de expressões (neste caso blogs) que persistem e que poderão tornar a crítica consequente.
Porquê o encorajamento se se especula sobre um estado de inutilidade irreparável?
A conclusão parece chocar o com o que anteriormente se tinha dito não fosse um comentário posterior de Pedro Costa onde ele reafirma a condição indesejável da crítica mas assume também que ela pode ter um impacto, ainda que relativo, porque "a sua consequência é reduzida no contexto de quem a produz".
O desconexo retoma as questões para acrescentar dados.
Recentemente Kenneth Frampton reconheceu um certo "apagamento progressivo da crítica" na sociedade em geral, sem se debruçar em particular sobre o campo da arquitectura, o que o levou a afirmar que essa "irrelevância" se tinha tornado fonte de discussão nos meios. Desta situação, e segundo Frampton, surgiram (e surgem) vozes reclamadoras de uma nova atitude "post-crítica"...
Mais não se sabe sobre a "nova atitude" que Frampton identifica porque não se evidenciam exemplos que clarifiquem a etiquetagem. O leitor desarmado fica a mãos com a dificuldade em deslindar o que que quer ele dizer com isto... onde é que ele quer chegar...
Quer-se crer que Frampton se possa estar a referir a novas formas de crítica que pela sua configuração surgem algo nubladas, sem facilitar um reconhecimento claro da sua função.
A este propósito, retomo a cartografia de Inês Moreira como um possível exemplo.
Quer-se dizer que, longe do formato tradicional, a análise montada por Inês Moreira é uma diligência crítica de fundo por simplesmente ousar pegar na produção de uma geração, sem necessariamente fazer uso de cortes, plantas e alçados que excitam os olhos famintos dos leitores. Poucos estariam preparados para um trabalho que, pela sua composição alternativa, é inabitual no contexto das revistas generalistas sobre arquitectura (e talvez por isso desconfortável para os leitores desarmados). No remate, o exercício parece acima de tudo demonstrar que a prática exposta, adjectivada de espacial, se move num espaço trans-disciplinar e (ainda) de pouca visibilidade.
Um nota final para voltar ao princípio, à pretensa inexistência de crítica.
Presume-se que se assim for, escrever sobre a crítica, é duplamente perigoso. Primeiro porque se ela escasseia, é pouca a matéria de trabalho e assim mais subjectivas se apresentam as reflexões. Segundo, se ela não existe, tudo isto é ficção.
No fim, talvez Pedro Costa tenha razão, talvez a crítica seja inútil, mas não me parece que seja em si razão impeditiva de a continuar a fazer, seja pelo exercício que ela permite, seja pelos estímulos que ela produz.
(1) À margem dessa opinião clarifique-se que a análise existe sempre, mesmo que seja sob a forma de 'memória descritiva' do próprio autor, que é em si uma leitura (crítica "viciada") do projecto.
O que poderá eventualmente não existir, ou pouco existir, é a crítica problemática, a crítica comprometida, a crítica que excita pela fina e criteriosa dissecação do objecto de uma maneira que a fotografia nunca consegue mostrar.
3 comentários:
http://quando-as-catedrais-eram-brancas.blogspot.com/2010/10/do-sabor-da-critica-1.html, com as minhas desculpas pelo irreparável atraso
Eu agradeço a cultura das ideias ou em francês La culture des idées... (1961) R.Magritte
e ainda à parte das histórias da legitimização ´blogues versus coisas em papel´, o último parágrafo de 'O sabor da critica (1)' devia ser o cerne da inquitetude... ou o que já se sabia mas não se ousava dizer.
daí o côngruo.
Mas vejamos o outro lado... ler papel ou ler blogues pode também ser geracional.
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